Há histórias que o interior do Brasil, vasto e misterioso, engole sem deixar rastros, transformando pessoas em lendas sussurradas. A região rural de Minas Gerais, com suas serras onduladas e seus lagos de barragem profundos e silenciosos, foi o palco de um desses enigmas que desafiaram a lógica e a memória por quase meio século. O caso do agricultor Elias Mendonça, que desapareceu com sua confiável caminhonete Ford F-100 em 1974, é uma ferida que o tempo não conseguiu cicatrizar em sua pequena comunidade. Por 50 anos, a família viveu no limbo, assombrada pela incerteza de um desaparecimento sem testemunhas nem corpo. As teorias se multiplicaram, desde a fuga voluntária até o crime passional, mas a verdade estava selada, fria e imóvel, a oito metros de profundidade nas águas escuras de um lago remoto.
Para entender a profundidade emocional deste mistério, é crucial contextualizar a vida de Elias. Ele era um homem simples, de meia-idade, cuja vida girava em torno da lavoura e da família. Sua caminhonete, uma Ford F-100 azul celeste, era uma visão constante nas estradas de terra do município, uma ferramenta de trabalho e um símbolo de sua vida. Elias desapareceu numa noite de outono de 1974. Ele havia saído para resolver uma pendência na cidade vizinha e, segundo sua esposa, prometeu retornar antes da meia-noite. Nunca o fez.
O que se seguiu foi uma busca desesperada e, desde o início, frustrante. A polícia percorreu a rota conhecida, mas as estradas rurais de Minas Gerais naquela época eram labirintos de terra e poeira. A F-100, um veículo grande e chamativo, parecia ter evaporado. Não havia sinais de acidente na estrada principal, nem evidências de roubo ou sequestro. Elias não era rico o suficiente para ser alvo de criminosos de grande porte, e sua vida social era previsível e pacata.
A ausência de vestígios levou a polícia a especular. A teoria mais forte inicial era que, talvez, Elias tivesse sucumbido a algum tipo de reviravolta pessoal e tivesse fugido para tentar a vida em um grande centro urbano. Mas sua esposa e seus filhos rebatiam essa ideia com veemência: Elias era um homem de apegos profundos e não teria abandonado sua vida sem uma palavra, muito menos deixando para trás todos os seus bens e afazeres.
Com o passar dos meses, e sem qualquer pista nova, o caso esfriou. A F-100 e Elias Mendonça se tornaram a história não contada da região, um mistério doloroso que pairava sobre o Lago de São Tomás, um reservatório artificial construído anos antes para gerar energia e que havia engolido vales inteiros, criando um corpo d’água vasto, com profundidades traiçoeiras e um fundo cheio de obstáculos. Embora o lago fosse o ponto geográfico mais proeminente da área, ninguém acreditava que um veículo tão grande pudesse ter submergido ali sem ser notado. Os mergulhadores da época e a tecnologia de rastreamento eram limitados, focando-se apenas nas proximidades de pontes e rampas.
A vida seguiu, mas a angústia permaneceu. Os filhos de Elias envelheceram, mas nunca deixaram de buscar. O mistério da F-100 se tornou uma obsessão silenciosa, transmitida de geração para geração. O tempo, no entanto, estava a favor da verdade.
Quarenta e nove anos depois do desaparecimento, em 2023, o avanço tecnológico e a teimosia humana se uniram para reescrever a história. Um grupo de voluntários especializados em rastreamento subaquático, usando equipamentos modernos de sonar de varredura lateral de alta definição (os mesmos usados para localizar destroços de navios), decidiu concentrar seus esforços em casos frios de desaparecidos no interior de Minas Gerais. O Lago de São Tomás, com sua reputação de mistérios não resolvidos, foi o primeiro alvo.
A equipe, liderada por um experiente mergulhador e entusiasta de tecnologia, passou dias mapeando meticulosamente as áreas mais remotas e profundas do lago, aquelas que eram inacessíveis em 1974. A zona de interesse era uma baía isolada, a poucos quilômetros da última estrada de terra conhecida que levava à fazenda de Elias.
Foi na tarde do terceiro dia de varredura que o monitor de sonar revelou uma forma clara e perturbadora. A uma profundidade constante de cerca de 8 metros (aproximadamente 26 pés), repousava uma estrutura que não era natural. A imagem de sonar, nítida e detalhada, mostrava inequivocamente a silhueta de uma caminhonete grande.
A emoção no barco era palpável. A equipe prontamente enviou um veículo subaquático não tripulado (ROV) para uma confirmação visual. A medida que o ROV descia nas águas turvas, a luz de LED cortou a escuridão, revelando o que parecia ser um fantasma metálico. Lá estava, a Ford F-100, envolta em lodo e algas, mas perfeitamente reconhecível, virada parcialmente sobre o seu lado, com a dianteira encravada no fundo.
A placa de matrícula, apesar da corrosão, pôde ser lida o suficiente para que a polícia fosse notificada. A confirmação oficial veio momentos depois: o veículo era a F-100 desaparecida de Elias Mendonça. O silêncio de 50 anos estava prestes a ser quebrado.
A operação de resgate da caminhonete foi um esforço logístico complexo, que exigiu guindastes e mergulhadores especializados para içar a cápsula do tempo para fora do lago. Quando a F-100 emergiu, gotejando água do lago e lodo, a emoção de todos os presentes se transformou em uma tristeza sombria.
O interior da caminhonete continha a verdade que a família buscava desesperadamente. Nos restos do que foi o assento do motorista, estavam os ossos de Elias Mendonça. O cenário contava uma história simples, mas fatal.
A reconstituição dos fatos, baseada na posição da caminhonete e na topografia do lago, apontava para um acidente trágico. Os investigadores acreditam que Elias, voltando tarde e cansado, possa ter se desviado de um atalho de terra que conduzia perigosamente perto da margem do lago. Naquela época, o terreno não estava sinalizado adequadamente, e o caminho podia estar escorregadio pela chuva. Ele provavelmente perdeu o controle, e o veículo pesou o suficiente para deslizar pela margem e mergulhar diretamente na parte mais profunda da baía, que era justamente o ponto de confluência com um antigo rio, criando uma profundidade inesperada.
O impacto e a submersão rápida não teriam dado chance a Elias para escapar. O veículo, ao afundar no lodo, foi rapidamente coberto por sedimentos e algas, tornando-o invisível a olho nu e ao sonar rudimentar de décadas passadas. A teoria do sequestro, da fuga ou do crime passional desmoronou diante da evidência fria do fundo do lago. Elias Mendonça não fugiu; ele foi vítima de um acidente silencioso, engolido pela vasta e indiferente natureza de Minas Gerais.
O motor da F-100 estava coberto de vida aquática, e os objetos pessoais dentro da cabine—como um velho chapéu de fazendeiro e algumas moedas da época—estavam preservados como artefatos de uma vida interrompida. O achado trouxe um alívio imensurável à família, que finalmente pôde realizar o funeral e ter um local para honrar a memória de Elias.
O caso da F-100 de 1974 é um testemunho da persistência da tecnologia e do anseio humano por respostas. O Lago de São Tomás guardou seu segredo fielmente por quase cinco décadas, mas, no final, a luz da precisão do sonar revelou o que a escuridão da água e o silêncio do tempo haviam tentado esconder. Elias Mendonça, o agricultor desaparecido, foi finalmente encontrado, fechando um capítulo de dor e incerteza que durou duas gerações.